O Talentoso Ripley (1999)

Scrisă de Filipe Manuel Neto pe 6 noiembrie 2021

Deliciosamente denso, este filme é verdadeiramente imperdível.

Este filme esteve totalmente à altura das minhas expectativas, tendo-se revelado um autêntico ensaio sobre a vaidade, a hipocrisia, a falsidade humana. Baseado num romance, o filme traz ao cinema novamente um material que já dera origem a pelo menos um filme, nos anos 60. É, no entanto, mais do que um mero remake, não fazendo qualquer espécie de alusão a essa película, que só os cinéfilos autênticos irão provavelmente recordar agora.

O roteiro é simples de resumir, mas qualquer ideia de uma história simplista, fácil ou ligeira é, a meu ver, uma grande ilusão: o filme é bastante mais denso, psicologicamente rico e matizado do que esta breve sinopse pode dar a entender. Tom Ripley, um jovem de origens modestas, vai cair nas boas graças do Sr. Greenleaf, um industrial da construção naval americana que depressa o vai “contratar” para ir à Itália convencer o seu filho, Dickie, a voltar e a assumir o seu lugar nas empresas. Acontece que Dickie, a viver hedonística e despreocupadamente na costa italiana, ao lado de uma bela mulher e à custa do pai, rodeado de amigos, diversões e prazeres, quer tudo menos voltar… e Ripley decide ficar também. Mas a inveja de Ripley pode levá-lo mais longe, à medida que as diferenças e as incompatibilidades entre ambos aumentam, bem como o desejo de Ripley de ter a vida do seu novo amigo.

De facto, até que ponto podemos invejar alguém? Ripley vai ao extremo, anulando o seu próprio eu para encarnar completamente a pessoa invejada, tornando-se nessa mesma pessoa. Como ele mesmo diz, “eu prefiro ser um falso alguém do que um completo ninguém”. Claro, qualquer pessoa podia afirmar que a situação do filme seria insustentável a longo prazo para Ripley, com a mentira a vir ao de cima à medida que todos aqueles que realmente conheciam Dickie surgiam e questionavam o seu aparente desaparecimento… há também aqui, tanto numa personagem quanto na outra, uma espécie de homossexualidade latente e reprimida por ambos os lados, o que adensa bastante mais a psicologia complexa das personagens.

Para além de uma boa história e de uma excelente construção das personagens e do roteiro, o filme brinda-nos com um extraordinário elenco. Claro, pela natureza das suas personagens, Matt Damon e Jude Law merecem todo o destaque. Damon é excelente na maneira contida, obsessiva e fria como encarnou a personagem, mas é Law que me encantou realmente, brindando-nos com um dos melhores trabalhos da sua carreira: ele dá à sua personagem um carisma próprio e uma enorme paixão pela vida que vai além de qualquer hedonismo de menino rico. Além deles, o filme conta com uma participação satisfatória, ainda que apagada, de Gwyneth Paltrow, Cate Blanchett (bastante mal aproveitada e quase não aparece) e também Philip Seymour Hoffman, a quem o roteiro reserva um papel particularmente caricato, associado à vida boémia e a uma certa vadiagem elegante.

A nível técnico, o filme tem vários elementos de interesse, começando por uma cinematografia muito boa e carregada de elegância, com boas cores, boa luz, e o aproveitamento inteligente da beleza das paisagens mediterrânicas onde o filme foi rodado. Na verdade, o filme consegue fazer com que até nós, o público, desejemos para nós a vida despreocupada de sol, mar e música que Dickie Greenleaf escolheu para si, e consigamos compreender muito bem o modo como Ripley se deixou seduzir e fascinar por tudo aquilo… claro, nenhum de nós faria o que ele acabou por fazer, mas quase que apoiamos a personagem. O filme é ambientado na década de 50, e vai-nos dando um cheirinho dessa época e desse ambiente através das roupas, dos automóveis e outros adereços, como o simples facto de quase todos fumarem, um hábito ainda considerado elegante naquela época. O ‘jazz’ é um elemento quase omnipresente no filme e a banda sonora tira bom proveito disso, mas lamento que o filme não tenha igualmente sabido aproveitar algumas das melhores canções italianas… recordo que a canção italiana dos anos 50 e 60 é considerada por muitos a época de ouro da música deste país europeu, com nomes como Emílio Pericoli, Mina Mazzini ou ainda Ornella Vanoni, para citar alguns.