Tropa de Elite (2007)

Scritto da Filipe Manuel Neto il 15 dicembre, 2022

Um dos melhores filmes que o Brasil exportou internacionalmente.

Sendo eu português, creio que conheço razoavelmente melhor as realidades do Brasil do que a generalidade dos estrangeiros. Afinal, os laços históricos e culturais ligam os dois países até aos nossos dias. Por isso, não fico nada surpreendido com o retracto que este filme nos deixa de um mundo que raramente surge nos folhetins turísticos do Rio de Janeiro: as áreas pobres que, do alto das colinas, observam a zona mais nobre da cidade.

Eu poderia falar um pouco mais sobre estas áreas, chamadas “favelas”, mas a verdade é que eu não sei muito acerca delas. Até às primeiras décadas do século XX, o visitante que percorresse as ruas do Rio de Janeiro, São Paulo ou outras cidades, iria observar que os mais pobres viviam geralmente em imóveis, muito compartimentados, chamados “cortiços”, espalhados pelas áreas velhas da malha urbana. A partir de meados do século, todavia, assistimos a uma campanha de renovação e gentrificação dos centros urbanos, com a demolição de grandes áreas degradadas e a construção de arranha-céus. Empurrados para a periferia, os marginalizados acabaram por construir as suas casas livremente, sem plano ou projecto, usando terrenos arrendados ou sem dono, e dando origem a malhas urbanas caóticas e desordenadas que escalaram as colinas. A total pobreza, que desde sempre leva o Homem à criminalidade, associou-se cedo ao tráfico e ao consumo de drogas, e a outros delitos como o jogo ilegal, a venda de armas e a prostituição, e levou à criação de redes criminosas, fortemente armadas, que aproveitaram a geografia e a dificuldade de acesso de algumas destas “favelas” para as transformar em autênticas fortalezas, onde nem a polícia regular ousa entrar.

Assim, a questão das favelas foi, e ainda é, um grave problema social, urbanístico e humano para as cidades brasileiras. Eu não tenho dados seguros, mas até onde sei, há um longo caminho a percorrer para se resolverem questões como a falta de infra-estruturas, a falta de segurança dos solos e a construção de casas em lugares instáveis. Eu sei que têm sido feitas medidas para os resolver, e principalmente para combater o crime (o filme revela-nos isso, aproveitando a visita do Papa Bento XVI), mas até que ponto são eficazes? O que posso dizer é que, por agora, Rio e São Paulo saíram da lista das cidades mais perigosas do Brasil, mas muito há a fazer em outras urbes como João Pessoa, Fortaleza, São Salvador ou Natal.

Neste filme, acompanhamos o percurso de dois recrutas de um curso de treino de uma força de elite policial, treinada para intervir nos cenários mais complicados: o BOPE. Cada um é guiado pelas suas próprias razões, mas une-os a sensação de cansaço diante da impunidade dos criminosos. O chefe da recruta, Capitão Nascimento, está também no centro da trama, porque procura, discretamente, um substituto a fim de se retirar e poder dedicar o resto do seu tempo à família, e à pouca sanidade psicológica que lhe resta. É um retracto muito cru do treino violentíssimo destas unidades que, todavia, as prepara para a autêntica guerra urbana que têm de enfrentar. Também nos deixa antever um pouco da gravidade do problema em si: bandidos armados como exércitos, que cometem brutalidades sem pensar duas vezes, e uma polícia que podia ir para a guerra se fosse necessário.

Wagner Moura consegue, com este filme, um dos trabalhos mais marcantes e importantes da sua carreira como actor. Ele não era, até este filme, um dos grandes actores brasileiros, um dos que nós sempre relembramos quando pensamos na dramaturgia brasileira. Porém, eu já vinha apreciando a qualidade do actor em alguns trabalhos televisivos que ele fez, e mesmo assim foi bastante impressionante vê-lo aqui. E apesar de o filme contar com outros actores de talento, como André Ramiro e Caio Junqueira, é Moura que se destaca e domina o filme. Também gostei do trabalho de Fernanda Machado, actriz que, num registo muito mais discreto, mostra a forma algo utópica e sonhadora com que os jovens da classe alta procuram cultivar um senso de justiça social sem saberem, porém, como resolver os problemas na sua raiz.

Tecnicamente, o filme prima pelo enorme realismo. É uma obra de ficção, as personagens e as situações são inventadas, mas tudo foi pensado para parecer verdadeiro e autêntico como num documentário. Observamos isso, por exemplo, na enormíssima quantidade de palavrões e gírias usadas nos diálogos, ou na selecção criteriosa dos locais de filmagem utilizados, onde se incluem algumas “favelas” cariocas. Outro ponto de louvor é a qualidade das cenas de acção, dignas de um filme norte-americano de grande orçamento e recheadas de bons efeitos especiais e de som. É um filme impróprio para crianças ou para ver ao lado daquela avozinha conservadora, mas muito bom, um dos melhores filmes que o Brasil conseguiu exportar internacionalmente.