O Físico (2013)

Escrita por Filipe Manuel Neto em 31 dezembro 2022

É um bom filme, entretém bem o seu público, mas está repleto de pequenos erros históricos que poderiam facilmente ter sido emendados.

Filmes sobre os tempos medievais são sempre agradáveis de ver, especialmente para mim, que tenho um grande carinho por este período histórico, acerca do qual fiz uma especialização como historiador. Infelizmente, e como acontece regularmente, este filme está cheio de erros.

O roteiro é bastante bom, do ponto de vista do entretenimento: um órfão inglês que é criado e treinado por um barbeiro itinerante adquire grande fascínio pela medicina e pela capacidade de curar doenças e padecimentos físicos. Todavia, ele tem consciência de que sabe muito pouco, e de que o seu mestre sabe ainda menos, e essa consciência fica mais clara quando convive com médicos judeus que aprenderam no Oriente a sua arte. Assim, ele decide disfarçar-se de judeu e viajar para a Pérsia, a fim de ser admitido como pupilo de um mestre médico, Ibn Sina.

Para aqueles que não sabem, o filme é parcialmente baseado em factos e personagens reais: Ibn Sina, por exemplo, existiu verdadeiramente e entrou para a história da medicina com o seu nome ocidentalizado: Avicena. Também é verdade que os árabes tinham, durante este período (o chamado Ano Mil), um conhecimento científico muito mais avançado do que os cristãos, e os judeus, que tinham uma certa facilidade para circulavam entre os dois mundos (o Oriente e o Ocidente), acabaram por desenvolver uma particular vocação para as ciências e medicina, que foi posteriormente aproveitada no Ocidente, principalmente em tempos de maior tolerância religiosa.

Infelizmente, muitas coisas no filme (particularmente os detalhes) não fazem sentido: seria um pouco difícil para um cristão sem grandes estudos disfarçar-se de judeu sem ser reconhecido e “desmascarado” pelos próprios; também não seria assim tão fácil fazer uma viagem das Ilhas Britânicas até ao coração da Pérsia, embora não fosse impossível. Impossível seria, todavia, ver os persas do ano Mil a festejar alguma coisa com fogos de artifício, posto que esta tecnologia só chegou àquela cultura duzentos anos depois. As noções modernas de feitiçaria e necromancia também só vão surgir a partir do século XIII, e a Igreja nunca queimou ninguém, ela declarava o réu como herege e entregava-o à justiça civil, que (essa sim) o poderia queimar ou não. Ainda mais flagrante foi o erro de incluir no filme uma epidemia de peste bubónica antes do século XIV, quando a doença apareceu historicamente. E apesar de o Xá ter existido, e de os Seljúcidas serem efectivamente uma ameaça na região durante a época retractada, nunca teríamos visto os muçulmanos prostrarem-se diante do Xá porque eles simplesmente não o fazem. Há ainda outros erros: a Torre de Londres, que aparece no fim do filme, só foi construída cem anos depois e não teria o aspecto da actual edificação até, pelo menos, ao século XVI. Não me interpretem mal, o filme vale a pena mesmo com estes problemas. O que nós temos de perceber é que não se trata de um documentário e as coisas não eram exactamente como são retractadas.

Thomas Payne é bastante bom no papel protagonista e faz um bom trabalho como actor, mesmo que por vezes seja ensombrado pelos desempenhos impressionantes e carismáticas de colegas como Stellan Skarsgard ou Ben Kingsley, dois actores que estão em excelente forma e que nos dão actuações verdadeiramente empenhadas e interessantes. Emma Ribgy também fez um bom trabalho, mas tem relativamente pouca coisa a fazer.

Tecnicamente, o filme conta com uma boa cinematografia e bons cenários e figurinos. Não são especialmente precisos, do ponto de vista histórico, mas são esteticamente bem feitos. O CGI é razoavelmente bom e funciona bem, ainda que não seja muito realista. A banda sonora não me convenceu nem agradou particularmente, mas os efeitos visuais e sonoros são bons. O ritmo também é bastante bom, e apesar de o filme ser relativamente longo, quase não sentimos o tempo a passar.