A Impossibilidade de Estar Só (2020)

Escrita por Filipe Manuel Neto em 31 maio 2023

Horrível.

Por diversas vezes, fui bastante crítico relativamente ao cinema português. Ou é foleiro, ou é de uma erudição virtualmente hermética. Este filme consegue manter-se fora destes padrões. É um filme para adolescentes com bom potencial e que seria melhor se fosse capaz de nos dar uma história inteligente, e não apenas melosa, previsível e barata.

Bruno Graciano não é um director de cinema, é um director de televisão que, ocasionalmente, faz uns biscates por fora. Começou a carreira nos "reality shows", passou logo para telenovelas e ultimamente dedica-se mais a séries e mini-séries. Nota-se que, ao contrário de muitos colegas de ofício, bebeu inspirações em directores estrangeiros, talvez no cinema espanhol e francês. Até aqui tudo bem. Neste filme, ele tentou fazer uma omelete com poucos ovos e, pelo menos, terá responsabilidade no facto de o filme não ser pior do que é. Soube, por exemplo, usar com inteligência os locais de filmagem, nas praias do Alentejo, compreendendo a beleza dos lugares e captando-a no filme, com uma cinematografia bem trabalhada, mormente nas cenas ao ar livre. O problema é que, sem muito mais, o filme acaba por parecer-se mais com um enorme e caro spot publicitário do Turismo de Portugal do que com uma obra de cinema. E mesmo com um baixo orçamento (ainda terá tido apoios governamentais, mas nós sabemos que, por cá, os apoios à cultura são a última preocupação de quem manda), não se entende a inconstância do formato de tela, que aumenta ou diminui consoante, mas parece sempre uma versão esticada e feia do “cinemascope” (parece cerca de 30:9).

O elenco resume-se a duas actrizes: Laura Dutra e Bruna Quintas. Como actrizes de cinema, são novatas no seu filme de estreia. Elas têm feito carreira nas novelas e televisão, que é tudo o que em Portugal rende algum dinheiro a um actor, e ambas são tão jovens que perdoamos a sua enorme imaturidade enquanto actrizes: com uma actuação exagerada, a raiar o histriónico, as duas vão oscilando entre gritos, choradeira e momentos insuportavelmente melosos. E não adianta mostrar o rabo, em biquínis tipo tanga muito reduzidos, que isso não melhora a qualidade das duas actrizes. Estão verdes, esperemos que amadureçam. Eu poderia ainda falar dos diálogos, terrivelmente mal escritos, num Português mal falado e carregado de calão e de palavrões dignos de um trolha. É o discurso comum entre os jovens senhores doutores de 20 e 30 anos, neste país, mas para mim, que fui educado de outra forma, continua a fazer os meus ouvidos darem estalidos.

O que eu não posso perdoar é o roteiro miserável assinado por Joana Andrade. Se o filme tem o sabor desagradável de uma novela barata, a ela o devemos. A argumentista trabalha para telenovelas, mas precisa de entender que um roteiro de cinema não é a mesma coisa! Além da intolerável sucessão de clichés sobre amizade, amor, namoricos e a vida adolescente, que nos enjoam até ao desespero, o filme tem uma história que, em vez de nos transmitir a relevância de viver a juventude, aproveitar a vida, cometer riscos, faz o oposto. A história de Alice e Fred é a história de duas adolescentes irresponsáveis e imaturas que pensaram que era uma boa ideia fazer uma longa viagem sem planeamento, sem aviso, sem suporte, num carro que não é delas e, principalmente, sem os devidos cuidados médicos, essenciais considerando que Alice não sai de casa precisamente por ser frágil e doente! Não posso, nem devo, revelar demais do enredo, mas posso ainda dizer que o roteiro pisca o olho ao lobby “gay”, algo que compreendo tendo em conta o quão poderosos são os homossexuais portugueses. Muito convenientemente, a natureza exacta da doença que restringe a liberdade de Alice nunca é claramente explicada, até porque não convém! E o que se faz quando se é assaltado? Rouba-se a primeira pessoa que aparece, obviamente. Elas podiam ter pedido ajuda para ir à Polícia, seria a atitude mais lógica, mas Joana Andrade nem pensa nisso. E onde estão os pais? A preocupação das duas doidas personagens com as respectivas famílias é comovente. Daqui a cinquenta anos, elas colocam os pais dentro de asilos, ou abandonam-nos nas urgências do hospital e desaparecem. Afinal, é preciso viver, aproveitar cada dia, e os idosos atrapalham, dão trabalho, dão despesa. Não é?